Ouve-se de repente um estalo seco como uma corda de piano ou de viola que se parte, uma
nota só, breve, que vibra um instante e já não é
depois o mesmo dia que se repete, as infinitas
hipóteses viáveis desse dia, mas sempre o mesmo dia que se repete.
vivem-se vidas que não são a nossa,representam-se personagens de acaso nos palcos de ou-
tros, porque sim, só por que sim.
não se recorda com medo de perder as memórias - gastas de usadas, corrompidas, modifica-
dos por desejos e remorsos: ou pelo tempo.
perdem-se as palavras por inúteis, as estradas por onde afinal nunca teríamos caminhado
mas talvez, as coisas adiadas.
Instala-se a ausência
como uma pele que se ajusta a nós, primeiro brusca depois lentamen-
te como uma maré que sobe vagarosa mas inexorável.
(...e se por um instante...
que claro é aquele que parece ver-se no fundo da distância, envol-
to em dúvida e destempero, em impossível necessário? A luz de uma fogueira ou um fogo
fátuo?
Nada. Não é nada
só uma miragem no redemoínho de uma curva do nevoeiro.)
Ainda bem
porque já o vento traz os primeiros frios do inverno
os meus castelos e mundos de faz de conta
juntei-os numa caixa pequenina de cristal que deitei ao mar à espera que a encontre quem
a saiba abrir e os possa usar.
escorre-me entre os dedos o corpo, o tédio, a indiferença, como
pó das horas antigas que não passam, e resta o silêncio.
pó das horas antigas que não passam, e resta o silêncio.
Só resta o silêncio.
victor - outubro 2016
nota
Muitos dos trabalhos expostos referenciam esculturas ou desenhos digitais de Irene
Costa, companheira, amiga, cúmplice, camarada de quarenta anos:
não é uma home-
nagem, sequer uma dedicatória
- é uma presença.
(e há, diferentes, incomparáveis, ainda duas outras:
o Carlos, que assina um dos textos
do catálogo - amigo antigo, parceiro de algumas estradas (ou veredas), de sonhos e
desastres, muitas palavras
a Inês, que me empres-
tou o rosto para dois quadros e se esconde inconsciente em algum outro - jovem ami-
ga improvável antes que se tivessem cruzado por acaso os nossos caminhos)
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